Nas últimas duas semanas temos assistido ao aproveitamento político do Sr. Deputado do Chega, André Ventura, da morte com contornos alegadamente macabros de uma criança (quanto a isto que se pronuncie o sistema judiciário e nunca nós em julgamentos populares), por forma a defender a introdução da pena de prisão perpétua no sistema penal português.
Claramente o Sr. Deputado, com formação superior em Direito, não leva em conta, nem o artigo 30º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, nem o artigo 2º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade. Contudo, temos de reconhecer que a lei não basta e após alguma leitura sobre o tema, importa apontar algumas falhas graves na reinserção social do condenado em Portugal.
Destarte propomo-nos discorrer aqui sobre aquelas que nos parecem ser as deficiências principais, ou pelo menos mais urgentes suprir quanto à reinserção social em Portugal. Neste sentido apresentamos algumas notas breves: uma primeira quanto à atualidade e adequação das oportunidades formativas/trabalho proporcionadas aos reclusos, bem como a igualdade de acesso às mesmas; uma segunda nota terá que ver com a toxicodependência dentro dos Estabelecimentos Prisionais e por fim, deixaremos uma observação quanto à continuidade, ou falta dela, do processo de ressocialização o fim da pena de prisão.
Relativamente à primeira nota, temos desde logo que fazer uma importante chamada de atenção ao problema da sobrelotação dos Estabelecimentos prisionais. Além de todas as questões que se colocam ao nível da segurança, isto afeta também todo o processo de ressocialização, nomeadamente por dificultar, a dinamização, que torne apelativos os programas de trabalho/formação, sobretudo quando muitos reclusos, já antes de o serem não apresentavam qualquer interesse ou motivação para o seu desenvolvimento formativo. Por outro lado, esta sobrelotação dificultará por certo que haja condições para que estes programas quer de formação quer de trabalho, cheguem a todos, ou cheguem nos parâmetros necessários ao desenvolvimento pessoal daqueles que os frequentem. Aqui ressalva-se a falta de condições infraestruturais capazes de garantir as condições necessárias à administração dos referidos programas de formação/trabalho.
Neste ponto, chama-se a atenção para o facto dos programas curriculares/atividades de trabalho, muitas vezes se mostrarem desatualizados ou desadequados, tendo em conta a comunidade prisional nomeadamente ao nível do período das penas a serem cumpridas por aqueles. É necessário neste ponto que os reclusos sintam que podem tirar proveito destas oportunidades para além da sua mera “instrumentalização” como meio à melhor aplicação de saídas precárias ou liberdade condicional.
Ainda quanto à oferta formativa ou de trabalho, e apesar de se louvar o trabalho meritório de muitas Instituições Privadas de Solidariedade Social que contribuem com na criação de oportunidades, entendemos que o estado necessita trabalhar no sentido da criação de uma maior igualdade de oportunidades, já que não está assegurada a uniformização quanto aos procedimentos adotados pelos diversos estabelecimentos prisionais, cambiando, quer a oferta de programas, quer os seus conteúdos programáticos. Mas mais grave que isto, a discrepância quanto aos métodos de seleção e admissão à frequência dos respetivos programas.
Há ainda neste ponto um alerta que achamos poder vir a tornar-se um ponto negativo, uma vez que muitos dos programas /trabalhos oferecidos exigem certos requisitos como escolaridade mínima, ou certos conhecimentos técnicos. Ora, claro está, que isto restringe o seu acesso para muitos. Obviamente, também nos damos conta de que por vezes, um certo grau mais elevado de exigência também é positivo. Mas há que trabalhar esta equidade, sobretudo quando falamos de indivíduos com o enraizado preconceito da sua marginalização perante o resto da sociedade.
A nossa segunda nota tem que ver com a saúde dos reclusos. Mais concretamente, achamos da maior importância focar aqui, a problemática da toxicodependência e do consumo de substâncias ilícitas nos estabelecimentos prisionais.
A problemática da sobrelotação referida supra, volta a surgir neste ponto. O sistema padece de uma incapacidade em dar apoio no tratamento dos reclusos toxicodependentes, não sendo sequer capaz de garantir a ajuda necessária a todos os reclusos que procurem tratamento.
Esta desigualdade aumenta, com a desigualdade de critérios de admissão das Unidades Livres de Drogas, onde existem e quando existem, não garantindo por completo a ausência de drogas dentro das mesmas. Refira-se ainda que além de nem todos os estabelecimentos prisionais terem Unidades Livres de Drogas, não têm também protocolos com os Centros de Atendimento a Toxicodependentes e quando os têm não conseguem abranger todos os reclusos.
Ainda sobre isto é notoriamente grave a relativa facilidade de acesso que os reclusos têm em aceder a estas substâncias ilícitas. Da vontade de questionar: Afinal que controlo se anda a fazer?
Por fim, a nossa última nota, tem que ver com o acompanhamento, ou melhor, da falta dele, no momento da reposição dos indivíduos em liberdade, pois é justamente neste momento que muitos destes indivíduos se veem totalmente desamparados por um Estado que queremos afirmar de Direito Social.
Para muitos dos ex-reclusos é aqui que começa a pena mais pesada. O estigma e o julgamento social. Estas pessoas serão sempre os ex-condenados. Aqui o Estado também falha por não proteger estes cidadãos de plenos Direitos Liberdades e Garantias, mas infelizmente muitas vezes sem um trabalho ou um teto, que durante o cumprimento da pena haviam adquirido. Muitos que se mostraram bastante capazes nas formações que frequentaram, nos trabalhos que prestaram, voltam a ver-se sem a sua ocupação e sem remuneração. Aliado a isto, o registo criminal que os persegue, envia-os diretamente para as listas negras de todas as vagas de trabalho e a boca continua a precisar de pão.
No mesmo raciocínio incorporam-se aqui os ex-condenados toxicodependentes, cuja falta de apoio e supervisão no fim da pena os leva tantas vezes a regredir na sua desintoxicação.
Este insuficiente acompanhamento a posteriori, traduz-se numa palavra: reincidência. Assim, não só não reduz a taxa de criminalidade, como aumenta com aqueles que se sentirão na necessidade de cometerem outros delitos, porque o sistema falhou com eles deixando-os sozinhos no seu desespero e desamparo.
Conclui-se com uma reflexão, sobre aquele chavão de que o Estado somos todos nós, porque não só o Estado enquanto administração falha, senão cada um de nós quando nos conformamos com o estigma sobre estes nossos concidadãos e lhes negamos a sua ressocialização. E mais grave ainda, a todo o seu agregado familiar se for caso. É como diz a canção: “Eu sou e sempre serei o filho do recluso”. Mas não tem nem pode ser! Ao fim das contas, o que nos diverge, é tão só uma má decisão.
Valter Vieira
Claramente o Sr. Deputado, com formação superior em Direito, não leva em conta, nem o artigo 30º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, nem o artigo 2º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade. Contudo, temos de reconhecer que a lei não basta e após alguma leitura sobre o tema, importa apontar algumas falhas graves na reinserção social do condenado em Portugal.
Destarte propomo-nos discorrer aqui sobre aquelas que nos parecem ser as deficiências principais, ou pelo menos mais urgentes suprir quanto à reinserção social em Portugal. Neste sentido apresentamos algumas notas breves: uma primeira quanto à atualidade e adequação das oportunidades formativas/trabalho proporcionadas aos reclusos, bem como a igualdade de acesso às mesmas; uma segunda nota terá que ver com a toxicodependência dentro dos Estabelecimentos Prisionais e por fim, deixaremos uma observação quanto à continuidade, ou falta dela, do processo de ressocialização o fim da pena de prisão.
Relativamente à primeira nota, temos desde logo que fazer uma importante chamada de atenção ao problema da sobrelotação dos Estabelecimentos prisionais. Além de todas as questões que se colocam ao nível da segurança, isto afeta também todo o processo de ressocialização, nomeadamente por dificultar, a dinamização, que torne apelativos os programas de trabalho/formação, sobretudo quando muitos reclusos, já antes de o serem não apresentavam qualquer interesse ou motivação para o seu desenvolvimento formativo. Por outro lado, esta sobrelotação dificultará por certo que haja condições para que estes programas quer de formação quer de trabalho, cheguem a todos, ou cheguem nos parâmetros necessários ao desenvolvimento pessoal daqueles que os frequentem. Aqui ressalva-se a falta de condições infraestruturais capazes de garantir as condições necessárias à administração dos referidos programas de formação/trabalho.
Neste ponto, chama-se a atenção para o facto dos programas curriculares/atividades de trabalho, muitas vezes se mostrarem desatualizados ou desadequados, tendo em conta a comunidade prisional nomeadamente ao nível do período das penas a serem cumpridas por aqueles. É necessário neste ponto que os reclusos sintam que podem tirar proveito destas oportunidades para além da sua mera “instrumentalização” como meio à melhor aplicação de saídas precárias ou liberdade condicional.
Ainda quanto à oferta formativa ou de trabalho, e apesar de se louvar o trabalho meritório de muitas Instituições Privadas de Solidariedade Social que contribuem com na criação de oportunidades, entendemos que o estado necessita trabalhar no sentido da criação de uma maior igualdade de oportunidades, já que não está assegurada a uniformização quanto aos procedimentos adotados pelos diversos estabelecimentos prisionais, cambiando, quer a oferta de programas, quer os seus conteúdos programáticos. Mas mais grave que isto, a discrepância quanto aos métodos de seleção e admissão à frequência dos respetivos programas.
Há ainda neste ponto um alerta que achamos poder vir a tornar-se um ponto negativo, uma vez que muitos dos programas /trabalhos oferecidos exigem certos requisitos como escolaridade mínima, ou certos conhecimentos técnicos. Ora, claro está, que isto restringe o seu acesso para muitos. Obviamente, também nos damos conta de que por vezes, um certo grau mais elevado de exigência também é positivo. Mas há que trabalhar esta equidade, sobretudo quando falamos de indivíduos com o enraizado preconceito da sua marginalização perante o resto da sociedade.
A nossa segunda nota tem que ver com a saúde dos reclusos. Mais concretamente, achamos da maior importância focar aqui, a problemática da toxicodependência e do consumo de substâncias ilícitas nos estabelecimentos prisionais.
A problemática da sobrelotação referida supra, volta a surgir neste ponto. O sistema padece de uma incapacidade em dar apoio no tratamento dos reclusos toxicodependentes, não sendo sequer capaz de garantir a ajuda necessária a todos os reclusos que procurem tratamento.
Esta desigualdade aumenta, com a desigualdade de critérios de admissão das Unidades Livres de Drogas, onde existem e quando existem, não garantindo por completo a ausência de drogas dentro das mesmas. Refira-se ainda que além de nem todos os estabelecimentos prisionais terem Unidades Livres de Drogas, não têm também protocolos com os Centros de Atendimento a Toxicodependentes e quando os têm não conseguem abranger todos os reclusos.
Ainda sobre isto é notoriamente grave a relativa facilidade de acesso que os reclusos têm em aceder a estas substâncias ilícitas. Da vontade de questionar: Afinal que controlo se anda a fazer?
Por fim, a nossa última nota, tem que ver com o acompanhamento, ou melhor, da falta dele, no momento da reposição dos indivíduos em liberdade, pois é justamente neste momento que muitos destes indivíduos se veem totalmente desamparados por um Estado que queremos afirmar de Direito Social.
Para muitos dos ex-reclusos é aqui que começa a pena mais pesada. O estigma e o julgamento social. Estas pessoas serão sempre os ex-condenados. Aqui o Estado também falha por não proteger estes cidadãos de plenos Direitos Liberdades e Garantias, mas infelizmente muitas vezes sem um trabalho ou um teto, que durante o cumprimento da pena haviam adquirido. Muitos que se mostraram bastante capazes nas formações que frequentaram, nos trabalhos que prestaram, voltam a ver-se sem a sua ocupação e sem remuneração. Aliado a isto, o registo criminal que os persegue, envia-os diretamente para as listas negras de todas as vagas de trabalho e a boca continua a precisar de pão.
No mesmo raciocínio incorporam-se aqui os ex-condenados toxicodependentes, cuja falta de apoio e supervisão no fim da pena os leva tantas vezes a regredir na sua desintoxicação.
Este insuficiente acompanhamento a posteriori, traduz-se numa palavra: reincidência. Assim, não só não reduz a taxa de criminalidade, como aumenta com aqueles que se sentirão na necessidade de cometerem outros delitos, porque o sistema falhou com eles deixando-os sozinhos no seu desespero e desamparo.
Conclui-se com uma reflexão, sobre aquele chavão de que o Estado somos todos nós, porque não só o Estado enquanto administração falha, senão cada um de nós quando nos conformamos com o estigma sobre estes nossos concidadãos e lhes negamos a sua ressocialização. E mais grave ainda, a todo o seu agregado familiar se for caso. É como diz a canção: “Eu sou e sempre serei o filho do recluso”. Mas não tem nem pode ser! Ao fim das contas, o que nos diverge, é tão só uma má decisão.
Valter Vieira
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