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7 factos sobre os números oficiais, por Mário Tomé Chaves


O Governo criou um site para acompanhar a evolução do COVID-19, que inclui uma plataforma onde se encontram agregados todos os dados oficiais sobre a propagação do coronavírus em Portugal.
Para os mais atentos e para quem busca esperança nos números oficiais, aguardando que a curva decresça, existem determinados fatores a ter em consideração na análise destes dados, suscetíveis de levantarem algumas dúvidas ou, pelo menos, que requerem que esta análise aos números disponibilizados oficialmente seja feita com algumas reservas. Vejamos:

1.       Discrepância entre os números.

Existe uma clara discrepância entre os números apresentados oficialmente e o número real de casos infetados, por um motivo muito simples: Apenas quem realiza testes ao COVID-19, poderá constar na lista total de infetados. Como se sabe, não existem testes suficientes – nem perto disso em nenhum país, com exceção da Islândia - Os especialistas Islandeses congratulam-se com a subida modesta no número de casos de infeção pelo novo coronavírus e dão crédito à política de testar até quem não tem sintomas de COVID-19 e não tem suspeitas de estar infetado - política a seguir. A escassez de testes em Portugal determina que apenas quem tem sintomas deverá ser testado.
Face a isto, o melhor que podemos fazer é o de afirmar o número correspondente à percentagem de infetados dentro do universo de testes realizados.
Tendo este fator em consideração, é correto afirmar que o número total de infetados é claramente superior ao número que é reportado.

2.            A imprecisão dos testes.

Os testes não reportam exatidão no seu resultado, tornando os resultados incertos. Existem muitos mais falsos negativos do que falsos positivos – O que significa que há a hipótese em cima da mesa da indicação de que um cidadão não está infetado, quando realmente está. Face a isto, o número real de infeções deverá ser de novo incrementado.

3.            Testes Duplicados.

O número de testes realizados não é igual ao número de cidadãos testados. Como existe imprecisão nos resultados, os testes são realizados duas vezes para existir mais certeza nestes. Isto significa que, se compararmos a percentagem da população testada com o número de pessoas infetadas, obtemos uma imagem melhor do que realmente é a realidade. Portanto, os números mentem quando comparamos números de testes realizados com números de infetados, oferecendo mais um motivo para acreditar que o número real de infetados é superior quando nos mostram esse dado.

4.           Existência de um desfasamento temporal.

Em média, as mortes ocorrem após algum tempo de internamento hospitalar e normalmente existe internamento hospitalar uma semana ou mais após existir confirmação positiva no teste ao vírus. Logo, não devemos esperar que a curva referente ao número de mortes baixe após a curva com número de casos infetados descer. O principal lado positivo deste desfasamento é que, como normalmente a recuperação é mais lenta do que a morte, poderá existir a tendência da taxa de mortalidade diminuir ao longo do tempo.

5.       Contagem de vítimas.

Em alguns países da Europa, mortes ocorridas fora dos hospitais não entram para a contagem de números oficiais. Partindo deste pressuposto e caso se verifique um rompimento da capacidade do Serviço Nacional de Saúde em Portugal, mortes ocorridas devido ao COVID-19 e que a recuperação seja feita em casa, poderão não ser contabilizadas. Um exemplo prático é o caso de França que quando começou a divulgar o número de mortes em lares de idosos, a contabilização de mortes oficiais devido ao vírus, aumentou em 40%.

6.       O meu vizinho estava doente em casa e faleceu. Terá sido de COVID-19?  

Em altura de escassez de testes, casos como este em que não houve a sua realização, poderão não entrar para a contabilização oficial e consequentemente terem um impacto nos números oficiais, incrementando-os.

7.       Ação tardia da Direção Geral de Saúde.

A informação veiculada pela DGS, na pessoa da sua Diretora, em janeiro, no início do que se veio a revelar como uma pandemia, foi a de que este vírus não se transmitia de pessoa para pessoa e 2 semanas depois, de que a probabilidade deste chegar a Portugal seria baixa.
Estas afirmações adiaram por completo a consciencialização das autoridades portuguesas e da própria população para o impacto desta infeção em Portugal. Assim, numa altura em que os dados já mostravam uma proliferação descontrolada da doença na China, pessoas com doenças essencialmente do foro respiratório em Portugal não eram testadas, sendo o seu diagnóstico feito pelos meios convencionais, sem despiste de qualquer outra causa, nomeadamente, COVID-19. É possível pois afirmar que entre janeiro e março, várias pessoas com sintomas poderão ter sido diagnosticadas erradamente, por ausência de teste e que mais uma vez poderão ter existido números não contabilizados oficialmente.

Por mais esclarecedor que seja demonstrar estatísticas oficiais, é necessário ter consciência de que os números reais são seguramente muito superiores aos divulgados e que estes poderão permanecer desconhecidos por muito tempo.
Quanto às mortes, os números exatos destas poderão até nunca surgir. É possível estimá-las usando o número de mortes inesperadas em comparação com o ano anterior. Mas mesmo isso, não representa uma solução ideal, uma vez que o isolamento voluntário suprime a existência de outros tipos de mortes - acidentes de trânsito, por exemplo – assumindo que a maior parte da população fica em casa por precaução.
Não me interpretem mal: assistir aos dados oficiais não é uma completa perda de tempo, antes pelo contrário. Os números podem oferecer uma noção do que está a acontecer, desde que reconheçamos suas falhas.


Mário Tomé Chaves

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