O Governo criou um site para acompanhar
a evolução do COVID-19, que inclui uma plataforma onde se encontram agregados
todos os dados oficiais sobre a propagação do coronavírus em Portugal.
Para os mais atentos e para quem
busca esperança nos números oficiais, aguardando que a curva decresça, existem
determinados fatores a ter em consideração na análise destes dados, suscetíveis
de levantarem algumas dúvidas ou, pelo menos, que requerem que esta análise aos
números disponibilizados oficialmente seja feita com algumas reservas. Vejamos:
1.
Discrepância entre os números.
Existe uma clara discrepância entre
os números apresentados oficialmente e o número real de casos infetados, por um
motivo muito simples: Apenas quem realiza testes ao COVID-19, poderá constar na
lista total de infetados. Como se sabe, não existem testes suficientes – nem
perto disso em nenhum país, com exceção da Islândia - Os especialistas
Islandeses congratulam-se com a subida modesta no número de casos de infeção
pelo novo coronavírus e dão crédito à política de testar até quem não tem
sintomas de COVID-19 e não tem suspeitas de estar infetado - política a seguir.
A escassez de testes em Portugal determina que apenas quem tem sintomas deverá
ser testado.
Face a isto, o melhor que podemos
fazer é o de afirmar o número correspondente à percentagem de infetados dentro
do universo de testes realizados.
Tendo este fator em consideração, é correto afirmar
que o número total de infetados é claramente superior ao número que é
reportado.
2.
A imprecisão dos testes.
Os testes não reportam exatidão no
seu resultado, tornando os resultados incertos. Existem muitos mais falsos
negativos do que falsos positivos – O que significa que há a hipótese em cima
da mesa da indicação de que um cidadão não está infetado, quando realmente
está. Face a isto, o número real de infeções deverá ser de novo incrementado.
3.
Testes
Duplicados.
O número de testes realizados não é
igual ao número de cidadãos testados. Como existe imprecisão nos resultados, os
testes são realizados duas vezes para existir mais certeza nestes. Isto
significa que, se compararmos a percentagem da população testada com o número
de pessoas infetadas, obtemos uma imagem melhor do que realmente é a realidade.
Portanto, os números mentem quando comparamos números de testes realizados com números
de infetados, oferecendo mais um motivo para acreditar que o número real de infetados
é superior quando nos mostram esse dado.
4.
Existência
de um desfasamento temporal.
Em média, as mortes ocorrem após
algum tempo de internamento hospitalar e normalmente existe internamento
hospitalar uma semana ou mais após existir confirmação positiva no teste ao
vírus. Logo, não devemos esperar que a curva referente ao número de mortes baixe
após a curva com número de casos infetados descer. O principal lado positivo
deste desfasamento é que, como normalmente a recuperação é mais lenta do que a
morte, poderá existir a tendência da taxa de mortalidade diminuir ao longo do
tempo.
5.
Contagem de vítimas.
Em alguns países da Europa, mortes ocorridas
fora dos hospitais não entram para a contagem de números oficiais. Partindo
deste pressuposto e caso se verifique um rompimento da capacidade do Serviço
Nacional de Saúde em Portugal, mortes ocorridas devido ao COVID-19 e que a
recuperação seja feita em casa, poderão não ser contabilizadas. Um exemplo
prático é o caso de França que quando começou a divulgar o número de mortes em
lares de idosos, a contabilização de mortes oficiais devido ao vírus, aumentou
em 40%.
6.
O meu vizinho estava doente em casa e faleceu.
Terá sido de COVID-19?
Em altura de escassez de testes,
casos como este em que não houve a sua realização, poderão não entrar para a
contabilização oficial e consequentemente terem um impacto nos números
oficiais, incrementando-os.
7.
Ação tardia da Direção Geral de Saúde.
A informação veiculada pela DGS, na
pessoa da sua Diretora, em janeiro, no início do que se veio a revelar como uma
pandemia, foi a de que este vírus não se transmitia de pessoa para pessoa e 2
semanas depois, de que a probabilidade deste chegar a Portugal seria baixa.
Estas afirmações adiaram por completo a consciencialização
das autoridades portuguesas e da própria população para o impacto desta infeção
em Portugal. Assim, numa altura em que os dados já mostravam uma proliferação
descontrolada da doença na China, pessoas com doenças essencialmente do foro
respiratório em Portugal não eram testadas, sendo o seu diagnóstico feito pelos
meios convencionais, sem despiste de qualquer outra causa, nomeadamente, COVID-19.
É possível pois afirmar que entre janeiro e março, várias pessoas com sintomas
poderão ter sido diagnosticadas erradamente, por ausência de teste e que mais
uma vez poderão ter existido números não contabilizados oficialmente.
Por mais esclarecedor que seja demonstrar
estatísticas oficiais, é necessário ter consciência de que os números reais são
seguramente muito superiores aos divulgados e que estes poderão permanecer
desconhecidos por muito tempo.
Quanto às mortes, os números exatos
destas poderão até nunca surgir. É possível estimá-las usando o número de
mortes inesperadas em comparação com o ano anterior. Mas mesmo isso, não
representa uma solução ideal, uma vez que o isolamento voluntário suprime a
existência de outros tipos de mortes - acidentes de trânsito, por exemplo – assumindo
que a maior parte da população fica em casa por precaução.
Não me interpretem mal: assistir
aos dados oficiais não é uma completa perda de tempo, antes pelo contrário. Os
números podem oferecer uma noção do que está a acontecer, desde que
reconheçamos suas falhas.
Mário Tomé Chaves
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